Outro dia, por conta de um súbito desejo de comer pão na chapa com queijo Minas, me encontrei, por acaso, com a Verônica, figura linda e doce e, se não bastasse, uma das melhores e mais expressivas cantoras da nova geração. Nos banquinhos da padaria aqui perto de casa, o papo de uma hora fluiu gostoso, dando a impressão de ter durado curtíssimos minutos... E a gente conversou sobre várias coisas, inclusive, sobre a poesia inventiva, lúdica e absolutamente emocionante de Manoel de Barros. Falei para ela que seria lindo se existisse um projeto para apresentar, falar e cantar os poemas dele. E já que seria para juntar uma lindeza à outra, sugeri que a voz fosse emprestada por ela. Vim para casa, com um sorriso nos lábios, e para selar o momento tão inesperado quanto inspirador, eu li isso aqui:
“Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática”.
[Mundo Pequeno, do livro O Livro das Ignorãças]
[Mundo Pequeno, do livro O Livro das Ignorãças]