30 de março de 2008

Desejo pra mim


Pois no conforme vejo,
que de repente aquele não era meu
lugar,

não era tempo de chuva,
tampouco de dias nublados.
Mas quem ali ousava em querer
alguma natureza palpitante ou
pedir licença pra ver o sol pouco ocluso?

Peço a quem puder socorrer minha
fraqueza,

que abrevie esses dias e me conceda
um rosto sem dor e sem impaciência.
Que cesse de uma vez minha culpa vã
que faça partir todos os desesperos noturnos
e terrores diurnos.

Que a vida é breve.
E um dia todos os versos serão perfeitos.

23 de março de 2008

Em "Chega de Saudade" é melhor ir além, nem que seja em uma só noite



O novo filme da diretora Laís Bodanzky, Chega de Saudade, certamente deve estar colhendo vários elogios nessa sua recente temporada de lançamento. Além do roteiro de Luiz Bolognesi muito bem alinhado, a fotografia do mestre Walter Carvalho desconcerta. Mestre como a poucos pode-se conceder essa façanha. Muito mais do que um bom artifício técnico, a fotografia de Carvalho no segundo longa de Bodanzky (o primeiro foi “Bicho de Sete Cabeças”), se apresenta como personagem. E sua boa interpretação, mais os rodopios da câmera, redefinem por completo o que poderia ser ‘simplesmente’ um bom filme. Mais do que isso, é uma verdadeira ode ao empenho, ousadia, labuta, risco, paixão pelo cinema!

A diretora, quando participou da pré-estréia em Belo Horizonte, dentro da programação do projeto Sempre Um Papo, disse aos espectadores que parir aquele filme havia lhe custado noites longas de insônia. E perguntada sobre a diferença do “Chega de Saudade” e “Bicho de Sete Cabeças”, ela foi enfática: “Por incrível que pareça, Chega de Saudade foi muito mais difícil de fazer. A relação entre os personagens é muito mais complexa, sem contar a própria dinâmica do filme.” Imagino que não tenha sido mais difícil, porque Laís, com calibre para isso, se cercou de gente boa demais. Além de Carvalho e Bolognesi, estão Paulo Sacramento na montagem, Marcos Pedroso na direção de arte, BiD na trilha sonora (uma delícia!), Caio e Fabiano Gullane na produção, dentre outros.

Os personagens, vibrantes até quando quietos, parecem se valer da máxima de que a vida é agora. Todos, exatamente todos, querendo tirar uma casquinha do tempo presente. Para tanto, emoções à flor do baile, já que toda a história se passa em um numa única noite. Ao som da banda ‘Luar de Prata’, na qual Elza Soares e Marku Ribas são os crooners, Tônia Carrero, Leonardo Villar, Cássia Kiss, Stephan Nercessian, Betty Faria, Mirian Melher, Maria Flor, Paulo Vilhena, dentre outros, sacaram que os personagens a que dão vida não estão ali por acaso. Afinal, é melhor ir além, ainda que em uma noite apenas.

Assim como fizeram os últimos longas sanguinários do cinema nacional, espero que “Chega de Saudade” possa levar milhares de pessoas às salas de cinema. Além disso, que a nova obra de Laís possa incitar a discussão de que, ao contrário do que ainda se diz, nosso cinema há tempos atravessou as fronteiras da Cidade de Deus.


Em cartaz em Belo Horizonte:


Revista Kino



Em meio a tanta picaretagem no cenário midiático, a Revista Kino (cinema em alemão) é uma boa surpresa e, oba!, tupiniquim. A idéia segue o que já deixou de ser uma tendência no mundo global (e pirado!) de informações de todos os tipos, formas – simultaneamente em todos os cantos. Ufa! Na real, embora virtual, prega-se a participação livre e coletiva de quem tem algo para mostrar e que, óbvio, faça parte do contexto do tema. Valem ilustrações, fotografia, grafite, textos... Simples. Se gostarem, você ajuda a construir a Revista e aparece para esse mundo cibernético cheio de possibilidades.
A cada dois meses, uma película será o assunto da vez. Na edição atual, que é a quarta, quem está na tela é a obra-prima, frenética, Corra, Lola, Corra, do diretor alemão Ton Tykwer. “Volver”, do Almodóvar, já em construção, é a próxima.

Legal.

21 de março de 2008

A gente reza e sai de casa!



Pagando de cicerone nesse feriado silencioso de BH, sugiro para quem estiver por aqui amanhã, sábado de aleluia, uma programação farta e nem um pouco monótona. Y-e-a-h!

Garanta seu ingresso e confira "Sombras de Goya", com o sempre doidão Javier Bardem. Para os marmanjos e remanescentes de "Closer – Perto Demais", quem encarna a mocinha da trama é Natalie Portman. O tcheco Milos Forman assina a direção tendo no currículo obras preciosíssimas, dentre as quais, "Um Estranho no Ninho", "Hair", "Na Época do Ragtime", "Amadeus" e "O Povo Contra Larry Flynt". No Belas, às 17h.

Pra quem é de café e prosa gostosa, caia até o Santa Sophia Café. Uma dica: o bolo aos quatro leites e o cafezinho coado na hora. Lindos! :)

Deu vontade de ver coisa ousada, pop e mega criativa? Leia mais aqui e não perca, pelo amor de deus!, a exposição "Gringo Cardia de todas as tribos", com entrada franca, no Palácio das Artes.

Ritmo lento? Peraí... Logo ali no Grande Teatro, do mesmo Palácio, às 21h, Renato Russo – A Peça, com Bruce Gomlevsky. Sim, esse mesmo da imagem (foto: divulgação), cuja semelhança com o Renato original, parece sobrenatural. A Monica, amiga-tetéia, jornalista, escritora e uma tenaz conhecedora de arte, conferiu lá no Rio, sua terra, e já mandou dizer que é imperdível. Se te assusta o fato de ser no Grande Teatro e coisa e tal, confira o preço dos ingressos e se ‘desassuste’.

Apreciou rock do melhor calibre e agora não quer chegar tão cedo em casa? Pensaria o mesmo! Ainda mais se o bar Social, o melhor dos melhores atualmente em BH, estivesse com as portas abertas amanhã. Já que não, antecipo o programa que seria o último – teoricamente! Antes, porém, forre o estômago. Vale desde o hot dog da Prudente, passando pelo infarto frito (torresmo pururuca) do Maria de Lourdes Botequim, ou pela tradicionalíssima margherita da Piú, até os fantásticos rolinhos de camarão do Bistrô D’Artagnan, todos à Rua Marília de Dirceu, ou muito próximos.

O gran finale fica reservado para a noite histérica – rock edition – da Mary in Hell, lugar com gente interessante e, rotuladamente, alternativa. Se sofrer de falta de ar, não entre. Mas se isso é pouco para o que uma madrugada pode nos apresentar, go ahead e abrace o capeta! Ai ai ai...

Anna, a francesa ‘frou-frou’ que nos arrebata



Em mais de duas décadas de vida, uma das definições mais bem-humoradas sobre os comunistas foi a que escutei na última quarta-feira. Anna, a little lady de A Culpa é do Fidel (vide imagem), os definiu impiedosamente como “vermelhos e barbudos”. Não tão impiedosamente, afinal foram eles, mais o Fidel, evidente, os culpados pela vida esquisita que a menina, em questão de poucos dias, passou a levar. Esquisita e engraçada na mesma proporção, é o que, nós, espectadores acabamos por concluir. Conclusão esta, preciso dizer, que não chega de mão beijada, mas no momento que deve. E dessa forma, Julie Gavras, a diretora, se apresenta intensa e terna, em dose equilibrada que a conduz muito mais pelo caminho dos acertos.

Inesperadamente, Anna de la Mesa (Nina Kervel-Bey), a garotinha francesa cheia de ‘frou-frous’, olhares e ‘não-me-toques’, precisa administrar a nova rotina, calcada, vejam só, em preceitos comunistas. A casa com o imenso jardim dá lugar a um apartamento apertado, com um quarto a menos. A divisão com o irmão mais novo e barulhento, François, é inevitável. A babá cubana, simpática e dona dos mimos aos quais Anna sempre recorre, é despedida, pois além dos mimos, é a dona das opiniões mais ferozes sobre o comunismo de sua terra pátria. Em substituição, babás estranhas que levam suas esquisitices para as atividades culinárias. Anna não suporta! Mais ainda, sua ausência nas aulas de catecismo do colégio católico hiper conservador, mas para o qual ela é só sorriso. E assim, a cada mudança, a ira de Anna eleva-se a patamares divertidíssimos.

Essa transformação, volto a fita, passa a existir depois que Marie (Julie Depardieu) e Fernando (Stefano Accorsi), pais de Anna, compram a briga de Marga, irmã espanhola de Fernando, que passa a morar na França, após a morte do marido, um militante contra a ditadura de Franco. Parte de um cenário, no qual figuram Fidel, De Gaulle, Franco, Salvador Allende e pensamentos e ações, até então, subversivos, é ótimo que isso na obra de Gavras tenha conseguido ficar magistralmente em segundo plano.

Longe de ser um filme panfletário, “A Culpa é do Fidel”, adaptado livremente do romance Tutta Colpa di Fidel, da jornalista italiana Domitilla Calamai, concebe uma história que pontua principalmente o crescimento – doloroso e abrupto, porém, o que orienta e, em grande parte, define. Tão marcante que nem o Mickey Mouse, “um símbolo fascista do imperialismo”, segundo descreve Fernando, tampouco Papai Noel, barbudo e vermelho, lembrado pelo irmãozinho numa cena deliciosa, hão de duvidar. Anna crescendo é uma das melhores constatações do cinema atual.


A Culpa é do Fidel
(La faute à Fidel, Itália / França, 2006)

Direção: Julie Gavras
Elenco: Nina Kervel-Bey, Julie Depardieu, Stefano Accorsi, Benjamin Feuillet, Martine Chevallier, Olivier Perrier, Marie Kremer
Duração: 99 min.

Humildade



Minh'alma está deserta.

Trocaria as mãos fecundas, ocupadas e imensas
por um tocar ao vento

- de andorinha.

[Foto: Eduardo Barrento]

10 de março de 2008

Hoje ela está compreensiva como quer estar

Os olhos imperdoáveis, severos
sem meiguices.
Carga muito pesada esta.

Até ficar singela e dormir de novo
há um livro sendo escrito.

Num rompante de puro susto e terror
ele há de pegar numa poesia afinada, enfeitada
e prolongada em pergaminho.

As coisas tristíssimas serão somente tristes
em tom de extrema sobrevivência.

Um dia.

9 de março de 2008

Aos passos de Jerônimo



“Nessa vida, menina, é preciso rir e ter fé!”

Com Jerônimo foi assim numa tacada só. Dos personagens que ‘coleciono’ das idas e vindas da cidade de São Paulo, um dos mais irreverentes vem a ser, sem dúvida, o papa-jerimum, dono da frase-conselho acima. E tudo ocorreu porque me vendo soltar uma gargalhada (se quiser o mesmo, leia as páginas de estilo da carta capital desse mês!), o nordestino não fez qualquer questão de discrição – ainda bem! Ao contrário e sem acanhamento, o que valia era acompanhar a matéria da minha revista, cujo interesse era evidente.

Assim, com a frase do começo já pronunciada, Jerônimo Cabral transformou o vôo 1273 num bate-papo, capaz de deixar pra lá qualquer resquício do caos aéreo. Em pouco mais de meia-hora, Jerônimo, que se considera um homem calado e observador, me contou estórias da família e da profissão, que junto com a mulher e o único filho, formam sua tríade de xodós.

Pois bem, o que guardo no giro da memória, então, é essa vida comum de um homem incomum. Ao lado disso e em tempos minguados de fé, essa espécie de consolo que gente assim me traz.

2 de março de 2008

“ - Antes de mais nada, fica estabelecido que ninguém vai tirar o meu bom humor.” (Fernando Sabino)



Em tempos de rotina árdua, parar para pensar em coisas que dão graça aos dias, esmagados normalmente pela mesmice, é um grande feito. Na sexta incomum do dia 29 de fevereiro quase tudo teve tremenda graça. O cumprimento exaltado do costumeiro frentista às 6h30 da manhã. As conversas fiadas e afiadas com o amigo cômico do trabalho. O trabalho. A volta pela Savassi pós-almoço. A siesta de acanhados minutos e muitos cafés. A tarde corrida, ao computador, ao som de Mercedes Sosa...

Em comunhão ao O Sentimento do Mundo, no qual “[...] O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, / a vida presente”, e embora este post seja um prato cheio para Augusto Cury, desejo dias compridos de graça não só em anos bissextos. Façamos por merecer.

Beija-cor



Este poema gostoso é uma das várias lindezas concebidas por Leo Cunha, meu ex-professor de jornalismo cultural, e escritor de mão cheia. O ‘beija-cor’, com mais diversos bons poemas, fazem parte do livro Lápis Encantado, publicado pela Quinteto, e um dos vários já escritos por ele. Em época de coelhinhos, páscoa e chocolates, sugiro também os poemas apetitosos do Leo. Encante-se e lambuze-se! :)